18 de fevereiro de 2010

Coisas do Passado

Fazia duas horas que a mãe não soltava uma palavra. Muito menos virava o pescoço para trás. Eusébio não sabia o que fazer. Sentado no chão da sala, ele deixou o jogo da memória de lado. Parou um minuto. Será que disse em voz alta as palavras proibidas? Um caos seria, respeitador que sempre foi a sua mãe. Mas Dona Beth não parecia amigável.

-O que há, mamãe?

Ela permaneceu calada. Era um charme, de unhas pintadas de rosa. Vivia a se enfeitar em frente ao longo espelho do quarto. Gostava de cílios enormes, e muita ordem na casa. A árvore de Eusébio era um aconchego só.

-Diga, por favor. Que eu fiz de aborrecer?

Dona Beth marchou rumo ao quarto e deixou o filho único a insistir.

-Por acaso, fui um mau tucano?

À beira da cama, ela preparava a mala. Casaco se fizesse frio, óculos escuros se encontrassem o sol. Ah, e um protetor de orelhas para uma viagem turbulenta.

-Pegue suas coisas e um brinquedo. Ganharemos o céu ao anoitecer. - disse a mãe, em tom grave.
-Eu não quero deixar minha árvore...
-Depressa, pois ela irão derrubar!

O exótico tucano deu meia volta e assistiu ao seu mundo ruir. Acabava o tempo de implicância com as formigas.

-Tenho planos pra vida... – confessou, com um suspiro.
-Maravilha saber.
-Meus melhores amigos pra sempre...

Definitivamente, aquele não era dia de melodias. Dona Beth não estava de brincadeira. Um tucano criança nada sabia de amigos para sempre. A mãe não pensou duas vezes e desfiou a lição.

-Não teime. Nosso tempo é curto. Precisamos correr!

Eusébio sentiu uma ponta de dor dentro de si. Pediu permissão e correu para o galho preferido. Quando a noite chegou, mãe e filho voaram longe.

-Quanto escuro! Mal posso enxergar. – resmungou o pequeno.
-Você nada sabe dos assuntos do mundo. Os homens querem nos capturar.

O tucano se entregou às asas da mãe. Ele queria outra árvore bem feliz. Até o cansaço, a viagem parecia tranquila. Na busca por um cantinho de dormir, os olhos de Dona Beth correram de lá para cá.

-Pronto. Aqui estamos à salvo. – explicou, aninhando o filhote.
-Que bom mamãe. Vamos deitar e sonhar.

A devastação chegou à floresta e os animais perderam a paz. Cada dia, um susto. Amigos partiam e outros deixavam de existir. Ao amanhecer, a valentia da Senhora Tucano surpreendeu.

-Rápido, ali! – gritou um homem barbudo.

Eusébio não imaginava o que estava por vir. Ele soltou um longo bocejo. Tão demorado que o bico quase quebrou. A mãe sempre disse que não é educado abrir a boca daquele jeito.

-Ah, ninguém viu. – pensou alto.

Um barulho forte estremeceu o topo da árvore. De baixo, o zum-zum-zum era danado. Dona Beth foi procurar o seu filhote.

-Eusébio, esse homem vai mesmo aprontar! - avisou ela.

O tucano entrou na mira. E suas perninhas congelaram de medo. A Senhora Valente deu um pulo! Com uma das asas envolveu o nosso amigo, e disse cheia de amor nos olhos:

-Que maldade do homem caçar! Eu juro, tentei nos salvar...

O tucano sentiu a cabeça dar piruetas.

-Pegue os dois! – ordenou o barbudo ao empregado.

Dona Beth tomou à frente e a rede lhe atingiu. A cena foi tão rápida, que ela só deu um grito no meio da confusão:

-Eu te amo, meu filho. Voe alto como um balão!

Eusébio atendeu. Lá de cima, o desenho da mãe era frágil e distante. Os dois malvados não paravam de rir. Deram de costas e esqueceram o tucano. O coração do filho de Dona Beth sentiu o silêncio até uma gaivota distraída aparecer.

-Bom dia, seu tucaninho. Preciso de uma informação.

Eusébio parecia uma estátua. Dos olhos, correu uma lágrima.

-Onde nós estamos? – insistiu a gaivota Katarina.
-No lugar mais solitário do mundo.